terça-feira, 15 de dezembro de 2009
2- MUNICÍPIO DE POMBAL CONDENADO
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
APELAÇÃO no 1943/03.5TBPBL.C1(1)
Acordam na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
1. RELATÓRIO
As Comunidades Locais (universo dos compartes) dos lugares de Arroteia, Outeiro Galegas e Cumieira de Cima, freguesia e concelho de Pombal, representadas pelo Presidente do seu Conselho Directivo, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum e forma ordinária, contra o Município de Pombal, com sede em Largo do Cardal, em Pombal, pedindo a condenação do R.:
a) A reconhecer que os terrenos inscritos nos artigos matriciais rústicos da freguesia e concelho de Pombal sob os nos 28.241, 33.814, 756 e 1.273 são baldios;
b) A reconhecer que esses terrenos são geridos e possuídos pelas autoras;
c) A reconhecer que esses terrenos são administrados através de actos de representação, disposição, gestão e fiscalização pelos órgãos das comunidades locais democraticamente eleitos;
d) A reconhecer que a inscrição matricial dos terrenos em nome da Câmara Municipal de Pombal foi indevidamente efectuaria;
(1) Relator: Artur Dias; Adjuntos: Jaime Ferreira e Jorge Arcanjo
Recorrente: Município de Pombal
Recorridas: As Comunidades Locais (Universo dos Compartes) dos lugares de Arroteia, Outeiro Galegas, e Cumieira de Cima, freguesia e concelho de Pombal.
Comarca: Pombal (V Juizo).
e) A abster-se da prática de quaisquer actos que ofendam a posse dos terrenos pelas Autoras; e
f) A ver ordenado o cancelamento de quaisquer descrições e inscrições que entretanto tenham sido efectuadas ou que venham a efectuar-se na Conservatória do Registo Predial de Pombal sobre os terrenos em causa.
Para tanto, alegaram as Autoras, em síntese, que os quatro prédios que identificam e que estão inscritos na matriz em nome da Câmara Municipal de Pombal são utilizados pelas populações dos lugares onde se situam, há mais de 100 e 200 anos, à vista de todos e sem oposição de ninguém, na convicção de se tratar de propriedade comum; que as comunidades locais organizaram-se e constituíram os órgãos de gestão desses terrenos, nos termos da legislação aplicável aos baldios, e pretendem aproveitá-los, para o que necessitam de registar os prédios em seu nome, o que se torna impossível sem que deixe de constar a Câmara Municipal como sua titular na matriz predial.
O R. contestou por excepção e impugnação e deduziu ainda reconvenção.
Por excepção, arguiu a ilegitimidade activa; por impugnação, contrariou a factualidade constante da petição inicial e contrapôs factos tendentes a conduzir à conclusão de ser ele o proprietário dos prédios em litígio; e em reconvenção pediu, no essencial, a condenação da A. a reconhecer que é proprietário e legítimo possuidor dos prédios em litígio, por os ter adquirido por usucapião.
A A. replicou, pugnando pela improcedência da matéria de excepção, bem como do pedido reconvencional e concluindo como na petição inicial.
Realizou-se uma audiência preliminar, em cujo âmbito teve lugar o saneamento e a condensação da acção.
Instruída a causa, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, que foi objecto de gravação (art's 522°-B e 522°-C do Cód. Proc. Civil), tendo a matéria de facto controvertida sido decidida conforme despacho de fls. 341 e seguintes.
Foi, depois, proferida a sentença de fls. 345 a 355, julgando procedente a acção e improcedente a reconvenção.
Inconformado, o R. apelou e na alegação apresentada formulou as conclusões seguintes:
1) A douta decisão recorrida não está devidamente fundamentada face aos elementos constantes dos autos;
2) É desde logo como desacertada a apreciação fáctica da decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Pombal, ao considerar como legalmente constituídas as comunidades locais, bem como ao aplicar o regime jurídico dos baldios, aos terrenos em causa.
3) O Recorrente exerceu e exerce, sobre os referidos prédios os mais diversos actos de posse, posse essa exclusiva à vista de todos e sem qualquer oposição.
4) Nos louvados de 1959 consta na matriz o termo "baldios" porquanto no tempo em questão esse termo queria referir que eram terrenos não cultivados por ninguém, ie, "terrenos incultos", sem quaisquer actividades de cultura.
5) Pois ao contrário do considerado como provado, o Recorrente, não praticou apenas actos de mera gestão, mas sim verdadeiros actos materiais de domínio e fruição, aplicou macadame, nivelou, removeu terras, cortou matos, plantou e cortou árvores fez levantamentos topográficos fotografias aéreas e estudos, de forma continuada sem qualquer interrupção, sempre à vista da generalidade das pessoas, sem oposição ou violência de quem quer que fosse e desconhecendo lesar quaisquer interesses ou direitos de -outrem.
6) O Recorrente numa deliberação referiu o terreno como "baldio", esta referência foi justificada pela necessidade de deliberar para a ocupação de uma parte dos terrenos, e como constava no registo predial tal designação mantiveram a descrição da respectiva matriz predial. Pois não podia o órgão público afirmar formalmente que teria a propriedade dos terrenos, autorizando a ocupação desses terrenos quando ainda não tinha procedido àjustificação da sua posse por usucapião.
7) Existindo, assim, um domínio de facto sobre os terrenos através do exercício de poderes materiais, tem o Recorrente o direito de propriedade sobre os referidos prédios.
8) Não podem os referidos terrenos ser qualificados como baldios, pois provou-se que os mesmos têm uma natureza rústica, são terrenos incultos, povoados de vegetação rasteira, mas estas características não são suficientes para tal qualificação.
9) O Recorrente, fez prova plena de que os terrenos em questão são do seu domínio, o que decorre quer da prova testemunhal quer da prova documental, bem como das respostas que deveriam ter sido dadas aos quesitos; Pois resultou da prova produzida que desde tempos imemoriais que os prédios aqui em causa, têm sido reputados por toda a gente como pertença do Município de Pombal, o qual tem exercido ininterruptamente, de boa fé, na convicção plena, de não estar a lesar interesses de outrem, de forma pacífica, contínua e pública, exercida sem violência, com conhecimento de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, com aproveitamento de todas as utilidades dos citados prédios, agindo sempre por forma correspondente ao direito de propriedade.
10) Na verdade, sempre foi o Recorrente quem tem vindo a administrar, por si, ou por interposta entidade, os aludidos prédios, em nome próprio, sem oposição de ninguém, há mais de 30 anos, sem interrupção, com o conhecimento da generalidade das pessoas da freguesia de Pombal e dos lugares vizinhos, entregando para a plantação de árvores, limpando o terreno em acções de prevenção, nomeadamente contra incêndios, protegendo-o em caso de inundações e intempéries, abrindo caminhos, construindo o campo de futebol, entre outros actos.
11) O Recorrente provou ter exercido sobre os mesmos, actos que configuram uma verdadeira posse, revestida dos seus elementos essenciais: o corpus e o animus.
12) É de todo inquestionável que o Recorrente detém o controlo material da coisa em que se traduz a posição do 'possuidor", posição esta que pode tanto advir de uma 'posse" em nome próprio, com a presença de um animus subjectivo, - conforme o disposto nos ares 1251' e 1253' al. a) C.Civ., este a contrario (ou seja, a posse enquanto detenção de facto com a intenção de agir como beneficiário do direito), como pode advir de uma mera detenção material assumidamente precária, isto e, desprovida de causa - art. 1253° C. Civ.
Concluímos assim que o Recorrente adquiriu por usucapião os referidos terrenos.
Face ao exposto, deve a douta decisão recorrida ser alterada e em consequência reconhecer que o Recorrente é o legítimo possuidor dos prédios, por os ter adquirido por usucapião, que tem o direito de proceder à sua inscrição matricial e ao seu Registo na Conservatória do Registo Predial de Pombal e ainda ordene a rectificação da matriz predial rústica no sentido de onde consta na descrição dos prédios em apreço a expressão "baldios", passe a constar "terreno inculto".
A apelada respondeu, defendendo o não provimento do recurso. Colhidos os pertinentes vistos, cumpre apreciar e decidir.
Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos art's 684º, n° 3 e 690º, n° 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste tribunal foi colocada apenas a questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto e respectiva repercussão na decisão final.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Factualidade dada como provada na 1ª instância:
1. O prédio denominado "Outeiro Pequeno" e atravessado por um caminho público, sito em Brejo, coma área 9.100 m2, a confrontar do Norte com caminho, Sul Joaquim Monteiro, Nascente com Maria da Conceição e Poente com José Monteiro e outros está inscrito na matriz sob o artigo 756, na titularidade da Câmara Municipal de Pombal (alínea A), dos factos assentes);
2. O prédio denominado Zambujal com 118 oliveiras e 463 Lanchas, sito em Zambujal, com a área de 785.000 m2, a confrontar do Norte com ribeiro, Joaquim Ferreira Moço e outros, Sul Estrada nacional, Nascente Manuel Munes Novo e Poente Manuel Rodrigues e outros, está inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1273, na titularidade da Câmara Municipal de Pombal (alínea B), dos factos assentes);
3. O prédio composto por terreno e mato, sito em Pedreira, a confrontar do Norte com caminho, Sul com Joaquim de Almeida e outro, Nascente e Poente com caminho, com área de 10.400 m2, está inscrito na matriz sob o artigo 28241, na titularidade da Câmara Municipal de Pombal (alínea C), dos factos assentes);
4. O prédio composto por terreno e mato, sito em Cumiadas- Cumieira de Cima, com a área de 45.820 m2, a confrontar do Norte, Sul, Nascente e Poente com caminho, está inscrito na matriz sob o artigo 33814, na titularidade da Câmara Municipal de Pombal (alínea D), dos factos assentes);
5. Os prédios identificados em "1", "2", "3" e "4" não estão descritos na Conservatória do Registo Predial de Pombal (alínea E), dos factos assentes);
6. O Município de Pombal assumiu a responsabilidade tributária de tais prédios, cuja contribuição não foi imposta por estar isenta (alínea F), dos factos assentes);
7. Aquando das matrizes de 1959 aos louvados foram demonstrados os limites dos prédios, com localização determinada (alínea G), dos factos assentes);
8. Em 17 de Julho de 1999, pelas 21 horas, um grupo de moradores dos lugares de Arroteia, Outeiro Galegas, Pousios e Cumieira de Cima, reuniu no Salão do lugar da Arroteia, freguesia e concelho de Pombal, com o objectivo de criar os órgãos administrativos dos baldios (resposta ao ponto 1' da base instrutória);
9. Nessa reunião decidiram constituir uma comissão "ad hoc" (resposta ao ponto 2° da base instrutória);
10. Nessa mesma data e ocasião, a referida comissão deliberou "elaborar e afixar no prazo de 10 dias o recenseamento dos compartes dos baldios, Zambujal, Outeiro Pequeno, Pedreira e Cumeadas, todos localizados nesta freguesia e concelho de Pombal, inscritos em nome da Câmara Municipal de Pombal na respectiva matriz predial rústica da 1ª Repartição de Finanças deste concelho" (resposta ao ponto 3' da base instrutória);
11. Em 29 de Julho de 1999, reuniu a comissão "ad hoc", em Arroteia, com a seguinte ordem de trabalhos: a) elaborar e aprovar a Convocatória da assembleia de Compartes; b) Outros, tendo aí sido deliberado afixar o recenseamento entretanto efectuado dos compartes (resposta ao ponto 4° da base instrutória);
12. Realizado o recenseamento, este foi comunicado à Câmara Municipal de Pombal (resposta ao ponto 5° da base instrutória);
13. Em 11 de Agosto de 1999, a referida comissão "ad hoc" procedeu a uma convocatória de uma assembleia de compartes a realizar no dia 29 de Agosto de 1999, publicada no jornal "O Correio de Pombal" aos moradores dos lugares de Arroteia, Outeiro Galegas, Pousios e Cumieira de Cima, da freguesia e concelho de Pombal, com a seguinte ordem de trabalhos: "l. - Aprovação do recenseamento dos compartes dos baldios: Zambujal, Outeiro Pequeno, Pedreira (Peiromaço) e Cumeadas, os quais desde tempos, usufruídos pelos moradores destas localidades. 2. - Eleição dos Órgãos Administrativos dos Baldios a) Mesa de Assembleia de Compartes pelo sistema de lista completa b) Conselho Directivo pelo sistema de lista completa c) Comissão de Fiscalização" (resposta ao ponto 0 da base instrutória);
14. O recenseamento das compartes foi afixado no portão do salão do lugar da Arroteia (resposta ao ponto 7° da base instrutória);
15. Em 23 de Agosto de 1999 reuniu no Salão da Arroteia a referida comissão "ad hoc" que, entre outros assuntos, deliberou "Dar conhecimento, via postal, de que se encontrava convocada a 1ª Assembleia de Compartes para a data, hora e local constantes da cópia da convocatória divulgada no jornal "O Correio de Pombal", Entidades convocadas: Câmara Municipal de Pombal; Junta de Freguesia de Pombal; Direcção Geral de Florestas; Comissão de Coordenação; Direcção Regional do Ambiente" (resposta ao ponto 8° da base instrutória);
16. Feitas as comunicações, nos termos da deliberação de 23 de Agosto de 1999, em 29 de Agosto do mesmo ano realizou-se o acto eleitoral, de que resultou a eleição da lista A (única) para os órgãos administrativos dos baldios -Mesa da Assembleia de Compartes; Conselho Directivo, Comissão de Fiscalização (resposta ao ponto 9'da base instrutória);
17. Em 31 de Agosto de 1999 tomaram posse os membros eleitos para os órgãos administrativos (resposta ao ponto 10° da base instrutória);
18. Os prédios identificados em "1", "2", "3" e "4" são terrenos rústicos, incultos, povoados de vegetação rasteira, situados nos limites geográficos daquelas aldeias (resposta ao ponto 11 ° da base instrutória);
19. Neles sempre as populações daquelas aldeias apascentaram os seus gados, neles extraíram lenhas e cortaram matos e extraíram pedras para as suas construções (resposta ao ponto 12° da base instrutória);
20. Tais actos sempre foram praticados há mais de 100 e 200 anos à vista de todos, sem oposição de quem quer que seja, de forma conjunta, segundo os usos, costumes e necessidades das comunidades locais e sem interrupção, na convicção de que se tratava de propriedade comum, comunitária (resposta aos pontos 13' e 14' da base instrutória);
21. Esse uso e fruição foi transmitida de geração em geração e nunca foi posto em causa por quem quer que fosse (resposta ao ponto 15° da base instrutória);
22. As referidas comunidades sempre estiveram cientes do direito exclusivo sobre tais terrenos, cada um deles podendo extrair as utilidades pertinentes sem oposição de outras pessoas ou comunidades, e nunca consentiram que quem quer que fosse pusesse em risco ou em causa esse direito. Regulamentaram a posse e propriedade comunitária sobre eles, instituindo o recenseamento dos compartes para. depois elegerem os seus órgãos: a assembleia de compartes, o conselho directivo e fiscal (resposta aos pontos 10, 17° e 18° da base instrutória);
23. Está em marcha um projecto de aproveitamento comunitário de grande parte dos baldios, consistente no seu florestamento e outros benefícios, preliminares de um aproveitamento social (resposta ao ponto 20' da base instrutória);
24. Tais prédios têm plantações de qualquer natureza nela incorporadas ou assentes com carácter de permanência (resposta ao ponto 23' da base instrutória);
25. Trata-se de uma estrutura que em circunstâncias normais é susceptível de rendimento (resposta ao ponto 25' da base instrutória);
26. Em alguns pontos dos prédios referidos em "1", "2", "3" e "4", o Município de Pombal aplicou macadame, nivelou, removeu terras, cortou matos, plantou e cortou árvores, fez levantamentos topográficos, fotografias aéreas e estudos (resposta ao ponto 28° da base instrutória);
27. O referido em "26" ocorreu continuamente e sem qualquer forma de interrupção, sempre à vista da generalidade das pessoas, sem oposição ou violência de quem quer que fosse e desconhecendo lesar interesses ou direitos de outrem (resposta aos pontos 29°, 30°, 31 ° e 32° da instrutória).
2.1.2. Alteração da decisão sobre a matéria de facto
Um dos objectivos visados pela admissibilidade do registo das provas produzidas ao longo da audiência de discussão e julgamento é – como expressamente se afirma no preâmbulo do Decreto-Lei n° 39/95, de 15/02 pode permitir um verdadeiro e efectivo segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais – e seguramente excepcionais – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito.
Contudo, como também se refere no mesmo preâmbulo, a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta.
Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, continua o aludido preâmbulo, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em P instância, manifestando genérica discordância com o decidido.
Por isso é que, nos termos do n° 1 do art° 690°-A, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n° 183/2000, de 10/08, em vigor na data em que a acção foi intentada, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o recorrente divide tal decisão em duas partes: uma, englobando as respostas aos quesitos 1' a 10' e 18% relativa ao processo de criação dos órgãos administrativos, de gestão dos baldios e todos os procedimentos levados a cabo para o efeito; outra, integrando as respostas aos quesitos 110 a 35% relativa à utilização dos terrenos.
No que tange à primeira, o recorrente manifesta a sua discordância do modo seguinte:
"Quanto ao processo de criação dos órgãos administrativos, de gestão dos baldios e todos os procedimentos levados a cabo para o efeito, não podem V. Ex.s concordar com a douta sentença, ao considerar como credíveis e espontâneos (por serem contraditórios, incongruentes, insuficientes e pouco claros) os depoimentos das testemunhas Joaquim Nunes, Guilhermina Silva, Olinda Nunes, Amândio Nunes, Maria Emílio Almeida, Manuel dos Santos Luís. (pontos "8" a "17" dos FACTOS PROVADOS na douta sentença).
Acresce que é evidente pela leitura da transcrição da prova que as testemunhas das COMUNIDADES LOCAIS, ora recorrida, eram induzidas a indicar como incorrectamente julgados todos os pontos de facto que integravam a Base Instrutória e que foram objecto da decisão de facto corresponde, para efeito da especificação exigida pela alínea a) do n° 1 do art° 690°-A, a não fazer qualquer concretização.
Do mesmo modo que aludir genericamente a todos os depoimentos, ainda que referindo expressamente, mas sem justificar a referência, alguns deles, equivale, no que respeita ao ónus imposto pela alínea b) do n° 1 do art° 690°-A, à ausência de concretização.
Por isso, salvo sempre o devido respeito por diferente opinião, entendemos que, no tocante à impugnação da decisão de facto, o recorrente não fez as especificações obrigatoriamente exigidas pelo n° 1 do art° 690°-A. O que importa, de acordo com aquele preceito legal, a rejeição da impugnação da decisão de facto e a consequente consolidação da factualidade dada como assente na sentença recorrida.
Contudo, privilegiando a substância em detrimento da forma, não quis este Tribunal deixar de ouvir a gravação da audiência e, sobretudo nas partes em que a mesma apresenta algumas deficiências (últimas testemunhas ouvidas), ler as transcrições juntas pelo recorrente, de modo a formar uma convicção acerca da eventual existência de erros manifestos de julgamento.
Após tal tarefa, resultou claro o convencimento de que a decisão sobre a matéria de facto encontra total apoio no conjunto da prova constante dos autos, ou seja, nos depoimentos das testemunhas, conjugados com os documentos.
Com efeito tal como consta da especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador da 1' instância, as respostas aos quesitos 1° a 10° e 18% relativos ao processo de formação dos órgãos de gestão dos baldios e às reuniões, recenseamento e procedimentos levados a cabo, estão em consonância com o teor dos documentos de fls. 10 a 51 dos autos, conjugado com os depoimentos das testemunhas Joaquim Nunes, Olinda Nunes, Amândio
"Quanto à utilização dos terrenos, conforme refere a douta sentença nos FACTOS PROVADOS e nos pontos "18","19", "20", "21", "22", "23" (e quesitos 11 ' a 35) discordamos totalmente do sentido do julgamento da prova, a qual atendendo à sua concreta produção, foi errónea, com o devido respeito a convicção do julgador.
Pois tal como decorre expressamente das declarações das testemunhas Manuel Rodrigues, Amândio Nunes, Natividade Gomes, Arlindo Lopes Guilhermina Silva, bem como das testemunhas apresentadas pelo Recorrente, e não apenas o Fernando Ferreira, nem sempre as populações daquelas aldeias apascentaram os seus gados, extraíram lenhas, pedras para as suas construções e cortaram mato, de forma contínua e ininterrupta.
Até podiam ter sido utilizados pelos habitantes daqueles lugares — mas pontualmente e sem o animus essencial para o procedimento desta acção – mas é totalmente errada a decisão do tribunal a quo ao considerar, que tais actos foram praticados, há mais de 100, 200 anos, à vista de todos, sem oposição de quem quer que seja, de forma conjunta, e sem interrupção, na convicção que se tratava de propriedade comum, comunitária, porquanto não há prova nesse sentido.
Sendo a Base Instrutória constituída por 35 pontos ou quesitos e discordando o recorrente de todas as respostas dadas aos mesmos, indicando como fundamento para tal discordância essencialmente o conjunto dos depoimentos prestados, ainda que destacando, sem justificar o destaque, alguns deles, afigura-se-nos estar perante um ataque genérico e global à decisão da matéria de facto, visando a reapreciação de toda a prova produzida em 1' instância'.
O que, de acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei n° 39/95, citado, não poderá, em nenhuma circunstância, admitir-se.
Indicar como incorrectamente julgados todos os pontos de facto que integravam a Base Instrutória e que foram objecto da decisão de facto corresponde, para efeito da especificação exigida pela alínea a) do n° 1 do art° 690°-A, a não fazer qualquer concretização.
Do mesmo modo que aludir genericamente a todos os depoimentos, ainda que referindo expressamente, mas sem justificar a referência, alguns deles, equivale, no que respeita ao ónus imposto pela alínea b) do n° 1 do art° 690°-A, à ausência de concretização.
Por isso, salvo sempre o devido respeito por diferente opinião, entendemos que, no tocante à impugnação da decisão de facto, o recorrente não fez as especificações obrigatoriamente exigidas pelo n° 1 do art° 690°-A. O que importa, de acordo com aquele preceito legal, a rejeição da impugnação da decisão de facto e a consequente consolidação da factualidade dada como assente na sentença recorrida.
Contudo, privilegiando a substância em detrimento da forma, não quis este Tribunal deixar de ouvir a gravação da audiência e, sobretudo nas partes em que a mesma apresenta algumas deficiências (últimas testemunhas ouvidas), ler as transcrições juntas pelo recorrente, de modo a formar uma convicção acerca da eventual existência de erros manifestos de julgamento.
Após tal tarefa, resultou claro o convencimento de que a decisão sobre a matéria de facto encontra total apoio no conjunto da prova constante dos autos, ou seja, nos depoimentos das testemunhas, conjugados com os documentos.
Com efeito tal como consta da especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador da 1' instância, as respostas aos quesitos 1° a 10° e 18% relativos ao processo de formação dos órgãos de gestão dos baldios e às reuniões, recenseamento e procedimentos levados a cabo, estão em consonância com o teor dos documentos de fls. 10 a 51 dos autos, conjugado com os depoimentos das testemunhas Joaquim Nunes, Olinda Nunes, Amândio
Nunes, Maria Emília Almeida e Manuel dos Santos Luís, moradores, à excepção da última, nos lugares dos baldios e que ou intervieram e estiveram presentes nas reuniões ou tiveram conhecimento do processo por ser comentado nos lugares e conhecerem as pessoas directamente envolvidas.
Não só não detectámos quaisquer contradições, incongruências, incoerências, incertezas ou faltas de clareza que retirassem força probatória a esses depoimentos, como até a constatada dificuldade das testemunhas em referir pormenores – nomeadamente quanto a pontos muito específicos como, por exemplo, datas de reuniões, quem nelas esteve presente ou quanto tempo foi o recenseamento afixado – abona, dado o período de tempo decorrido (cerca de nove anos e meio), a favor da sua credibilidade.
No que respeita às respostas aos quesitos 11º a 35º, afigura-se-nos que a convicção do tribunal "a quo " – de que os prédios que a A. diz serem baldios e o R. reivindica como propriedade sua foram desde sempre utilizados indistintamente pelos habitantes das aldeias em cujos limites geográficos se situam, com o convencimento de se tratar de bem comunitário, tendo o Município de Pombal também praticado alguns actos de administração nos mesmos, mas sem que estivesse convicto de se tratar de bens próprios – se estriba com segurança nos depoimentos das testemunhas Manuel Rodrigues, Amândio Nunes, Natividade Gomes, Fernando Ferreira, Adindo Lopes e Guilhermina Silva, que descreveram o uso comunitário dos prédios por parte das populações daqueles lugares, justificaram o seu conhecimento e pareceram sinceros, isentos e convincentes.
A descrição na matriz de dois dos prédios como baldios (doc. de fls. 117) e o teor da acta da reunião da Câmara Municipal realizada em 11/04/1997 (doc. de fls. 319) – onde, referindo-se a um dos prédios, se afirma ser ele baldio e ser a Câmara Municipal, sem oposição das populações e até com reconhecimento destas, há cerca de trinta anos, a entidade administrante daquele espaço – confirmam e reforçam a convicção resultante dos depoimentos mencionados, sobretudo no concernente à inexistência, por parte do R., de animus possidendi (1) .
É, pois, entendimento nosso que a decisão sobre a matéria de facto está totalmente conforme com a prova constante dos autos e produzida na audiência, não havendo qualquer fundamento para alterar aquela decisão.
2.2. De direito
O recorrente assenta na impetrada alteração da decisão sobre a matéria de facto a sua pretensão de modificação da solução jurídica dada ao caso na sentença recorrida.
Gorado, pelas razões atrás expostas, o pedido do recorrente no sentido de ser totalmente mudada a decisão sobre a matéria de facto, frustrada resulta, logicamente, a ambição do mesmo em ver redireccionada a seu favor a decisão final, com a improcedência da acção e a procedência da reconvenção.
Com efeito, como muito bem consta da proficiente sentença sob recurso, com a qual se concorda e para cujos fundamentos, nos termos do n° 5 do art° 713°, se remete, tendo em atenção a factualidade provada, nomeadamente, os factos constantes dos nos 1 a 4 e 18 a 22 do elenco atrás feito no ponto 2. 1. 1., bem como o disposto na Lei dos Baldios vigente (Lei n° 68/93, de 04/09, alterada pela Lei no 89/97, de 30/07), não poderá deixar de concluir-se que os prédios em litígio constituem verdadeiros baldios, definidos estes como os
1 A explicação do R. para a descrição dos prédios inscritos na matriz sob os artigos 756 e 1273 como baldios, plasmada nos quesitos 26° e 27°, não obteve prova que permitisse responder-lhes positivamente. E a justificação ensaiada pela testemunha Luís Diogo Mateus para o teor da acta que constitui o documento junto a fls. 319 não convence, já que o R. não tendo, embora, o prédio registado na Conservatória do Registo Predial a seu favor, tinha-o inscrito na Repartição de - Finanças ern seu nome, nada impedindo que, se estivesse convicto da sua propriedade, a afirmasse sem rebuço)
terrenos possuídos e geridos por comunidades locais (art° 10, n° 1) com direito, segundo os usos e costumes, ao seu uso e fruição (art° V, n° 3).
A factualidade relativa à actuação do R. sobre os prédios mencionados, referida nos n's 26 e 27 do rol dos factos provados que constitui o ponto 2. 1. 1. desta peça processual, não é de molde a fundamentar a conclusão de que o R. adquiriu os prédios em disputa por usucapião. Por um lado, porque pelo menos desde o Decreto-Lei n° 39/76, de 19/01, os baldios foram expressamente declarados fora do comércio jurídico, não podendo ser, no todo ou em parte, objecto de apropriação privada por qualquer forma ou título, incluída a usucapião (art° 2'). E, por outro, porque se não provou o animus possidendi do R., já que ao ponto ou quesito 33° da Base Instrutória, onde se perguntava se o R. praticara os actos descritos no quesito 28° "na convicção de ser proprietário dos referidos prédios, acreditando que os mesmos eram prédios autónomos e de sua pertença ", foi dada resposta negativa'.
Tais actos foram, portanto, praticados pelo R. na qualidade de mero detentor e não de verdadeiro possuidor, não sendo, por isso, atento o conceito de posse plasmado nos art's 1251° e seguintes do Cód. Civil, capazes de fazer operar a usucapião.
Remetendo de novo para os fundamentos da bem elaborada sentença recorrida, com a qual se está inteiramente de acordo, entende-se que soçobram as conclusões da alegação do recorrente, o que importa a improcedência da apelação e a confirmação da aludida sentença.
1 Nestas circunstâncias, como é referido no Ac. do STJ de 22/01/2009 (Proc. 08B3404, relatado pelo Ex.mo Cons. Santos Bernardino, consultável em www.dgsi.pt/jstj), no qual é citado o Ac. STJ de 25/03/2004, in RU, ano 135°, págs. 113 e seguintes e respectiva anotação pelo Prof. Calvão da Silva, não pode o R. beneficiar da presunção de posse estabelecida no n° 2 do art° 125 V do Cód. Civil.
3. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, julgando-se a apelação improcedente e confirmando-se a douta sentença recorrida.
Sem custas, uma vez que, nos termos do art° 2°, n° 1, al. e) do Cód. Custas Judiciais, na redacção anterior ao Decreto-Lei n° 324/2003, de 27/12, o recorrente beneficiava, na data da instauração da acção, de isenção subjectiva e este último diploma legal não se aplica aos processos pendentes (art° 14% n° 1).
Coimbra, 2009 / 10/ 27
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